Relatório da Oxfam Brasil, “Frutas Doces, Vidas Amargas”, revela que baixa renda, trabalho temporário e constante exposição a agrotóxicos impedem milhares de famílias de terem uma vida digna.
O Brasil é hoje o terceiro maior produtor de fruta do mundo e a região Nordeste se destaca como grande polo desse cultivo no país. As frutas que chegam à mesa de milhões de pessoas no Brasil e no exterior geram cerca de R$ 40 bilhões por ano (1), mas não garantem salários e condições dignas a grande parte dos trabalhadores e trabalhadoras que estão no campo plantando e colhendo. É o que revela o relatório “Frutas Doces, Vidas Amargas”, lançado pela Oxfam Brasil nesta quinta-feira (10/10).
Segundo dados levantados pela Oxfam Brasil, os trabalhadores e as trabalhadoras safristas que atuam nas cadeias de melão, uva e manga no Rio Grande do Norte e perímetro irrigado do Vale do São Francisco (Petrolina/Juazeiro) estão entre os 20% mais pobres da população brasileira (2). Além disso, vivem em constante ameaça de contaminação por agrotóxicos, trabalham muitas vezes sem as condições básicas necessárias e estão presos a um ciclo de pobreza, muitas vezes mal tendo o que comer.
“Nosso relatório revela o sofrimento de muitas famílias e as desigualdades na cadeia de produção e venda das frutas brasileiras, do campo aos supermercados”, afirma Gustavo Ferroni, coordenador político da área de Setor Privado, Direitos Humanos e Desigualdades da Oxfam Brasil, e responsável pelo relatório “Frutas Doces, Vidas Amargas”.
O documento é o carro-chefe de uma campanha da organização para que as grandes redes de supermercado do Brasil – Carrefour, Pão de Açúcar e Big (ex-WalMart Brasil) – assumam sua responsabilidade pela situação desses trabalhadores que fazem parte da cadeia de produção das frutas que são vendidas em suas lojas. Na página https://dev.oxfam.org.br/supermercados é possível assinar uma petição pedindo para que esses supermercados liderem mudanças que possam dar mais dignidade à vida das pessoas que trabalham no plantio, colheita e processamento das frutas.
“Esses supermercados têm poder de negociação na cadeia da fruticultura brasileira e, por essa razão, podem exigir de seus fornecedores uma maior transparência em cada etapa da produção dos alimentos que vendem”, afirma Gustavo Ferroni.
Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, lembra que a fruticultura é em geral celebrada como atividade emblemática do potencial do semiárido brasileiro, uma cadeia de produção moderna do país e geradora de milhares de empregos.
“Nosso relatório, entretanto, revela que ainda existem problemas graves que precisam ser enfrentados. As pessoas que estão colhendo as frutas que chegam às nossas mesas têm o direito a ter uma vida digna. E os supermercados têm o dever e a responsabilidade de ajudar a mudar esse preocupante cenário que estamos apontando”, afirma Katia.
A Oxfam Brasil analisou as cadeias de três frutas importantes no Nordeste – melão, uva e manga – e verificou que algumas práticas, como a discriminação de renda contra as mulheres no campo, a não garantia de proteção adequada contra contaminação por agrotóxicos, o trabalho temporário (os chamados ‘safristas’, que atuam por tempo limitado) e condições não adequadas – especialmente para as mulheres -, são responsáveis por impedir que muitas pessoas consigam superar a pobreza.
“O argumento de que qualquer emprego é melhor que nenhum emprego coloca sobre os trabalhadores o peso de aceitarem qualquer condição de trabalho e exime setores econômicos de suas responsabilidades. Isso não é justo. A cadeia das frutas gera riqueza e é necessário que essa riqueza seja mais bem distribuída.” afirma Katia Maia.
Para maiores informações, entrar em contato com:
Jorge Cordeiro: 11 98459-0142 jorge.cordeiro@dev.oxfam.org.br Adriana Silva (Pauta Social): 11 98264-2364 adriana@pautasocial.org
INFORMAÇÕES COMPLEMENTARES
- Os estados de Pernambuco e Bahia são responsáveis por 62% das mangas produzidas no Brasil, e boa parte de sua exportação, assim como 53% das uvas. O Ceará e o Rio Grande do Norte produzem 75% dos melões.
- Estas três frutas, melão, manga e uva, empregaram cerca de 88 mil em 2017. Porém, metade desses trabalhadores só esteve empregado durante seis meses no ano e, depois, foram demitidos (3). A situação de trabalhadores safristas é a mais grave.
A renda mensal média em um ano para quem trabalhou no melão, manga e uva como safrista por seis meses seria de R$ 687,88, R$ 593,50 e R$ 590,96 respectivamente. De acordo com a Pnad (IBGE), isto os coloca entre os 20% mais pobres do Brasil.
Existem poucas opções de trabalho nessas regiões e ainda que sejam “oásis produtivos”, essa efervescência econômica não impacta no desenvolvimento local. Entre os 20 municípios que mais produzem melão no país, por exemplo, somente Mossoró, uma grande cidade com diversidade econômica, tem o IDHm (Índice de Desenvolvimento Humano municipal) superior à média nacional e considerado alto pelo Atlas de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas (4).
Dos 20 municípios que mais produzem manga, se considerarmos apenas os 11 localizados no Nordeste, nenhum possui IDHm superior à média nacional. Destes 11 municípios, 5 têm o IDHm considerado baixo e 6 mediano.
No caso da uva, a maior parte dos municípios que são campeões na produção está no Rio Grande do Sul, estado que responde por 50% da produção brasileira. O Vale do São Francisco (Pernambuco e Bahia) corresponde a cerca de 35% dessa produção nacional, mas apenas três municípios desses estados estão entre os maiores produtores – Petrolina e Lagoa Grande em Pernambuco, e Juazeiro, na Bahia. Petrolina e Juazeiro têm o IDHm abaixo da média nacional e Lagoa Grande está no nível considerado baixo.
Conceito de salário digno
De acordo com a Global Living Wage Coalition(5) um salário digno “deve ser suficiente para garantir um padrão de vida decente para o trabalhador e sua família. Elementos de um padrão de vida decente incluem alimentação, água, moradia, educação, saúde, transporte, vestuário, outras necessidades essenciais e provisões para eventos inesperados”.
Os valores recebidos pelos trabalhadores e trabalhadoras rurais na cadeia das frutas já são baixos em comparação ao salário mínimo brasileiro atual (R$ 998), mas se tornam irrisórios quando comparados ao salário mínimo necessário para sustentar uma família de quatro pessoas, segundo cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) (6).
A pedido da Oxfam Brasil, o Dieese fez cálculos específicos com base na metodologia usada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para cada localidade produtora de frutas do Nordeste, com apoio dos sindicatos rurais. Os resultados:
- Rio Grande do Norte, tendo a cidade de Jandaíra como parâmetro: R$ 1.820,62
- Vale do São Francisco: R$ 1.943,17 para Petrolina (PE) e R$ 1.856,25 para Juazeiro (BA).
A responsabilidade dos supermercados
Os maiores supermercados do Brasil, Carrefour, Pão de Açúcar e Grupo Big, detêm 46,6% do mercado atacadista do país.
Analisamos as políticas e relatórios disponibilizados publicamente pelos três principais supermercados brasileiros e concluímos que eles podem e devem fazer mais com relação à situação dos trabalhadores e trabalhadoras das cadeias de frutas. É necessário avançar em dispositivos claros de proteção, principalmente para os ‘safristas’. Condições de trabalho e salário digno deve ser parte dos critérios desses supermercados na escolha de seus fornecedores. Quando se trata da diligência que é feito junto aos fornecedores, é importante que os supermercados incluam um diálogo direto com trabalhadores e trabalhadoras, criando um processo de diálogo social.
Outro ponto importante é avançar na transparência. Existe uma tendência de aumento da transparência e responsabilidade sobre as cadeias produtivas através da divulgação dos fornecedores da fazenda até a loja (7). É importante que os supermercados assumam essa prática corporativa não só para seus próprios produtos.
Segundo os Princípios Orientadores da Organização das Nações Unidas (ONU) para Empresas e Direitos Humanos (8), as empresas têm responsabilidade de realizar a “devida diligência” em suas cadeias de fornecimento para identificar, prevenir e remediar casos de abusos de direitos: “(…) Empresas podem ser percebidas como cúmplices nas ações de uma outra parte em que, por exemplo, elas se beneficiaram disto”, alerta o documento da ONU.
Sobre a Oxfam Brasil
A Oxfam Brasil é uma organização brasileira, com Conselho e governança nacionais, que faz parte de uma rede internacional (Oxfam) que tem 20 afiliadas e está presente em cerca de 90 países. A Oxfam Brasil tem como missão contribuir para a redução das desigualdades e o combate à pobreza. A organização atua através de três áreas temáticas: i) setor privado, desigualdades e direitos humanos; ii) justiça econômica; iii) as desigualdades nas cidades – juventudes, gênero e raça. Nossa visão é de um país e um mundo livre de injustiças, pobreza e desigualdades extremas.
NOTAS
(1) De acordo com a pesquisa Produção Agrícola Municipal –PAM, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística –IBGE/ 2017. A PAM analisa 23 produtos da fruticultura, sendo três classificados como lavoura temporária (abacaxi, melancia e melão) e 20 como lavouras permanentes (abacate, açaí, banana, caqui, castanha-de-caju, coco-da-baía, figo, goiaba, laranja, limão, maçã, mamão, manga, maracujá, marmelo, noz, pera, pêssego, tangerina e uva). A soma dos valores da produção destes produtos foi de R$ 38,9 bilhões.
(2) PNAD Contínua, 2017. Cálculo próprio.
(3) Fonte: RAIS/Ministério do Trabalho. Cálculo: DIEESE. Com base no número de vínculos ativos e inativos em 31 de dezembro de 2017. Subclasse CNAE (IBGE): 0119-9/07 Cultivo de melão, 0133-4/10 Cultivo de manga, 0132-6/00 Cultivo de uva
(4) The Global Living Wage
Coalition: https://www.globallivingwage.org/about/what-is-a-living-wage
(5) “http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/idhm/”http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/o_atlas/idhm/
(6) https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/salarioMinimo.html
(7) A RSPO, certificação da cadeia do óleo de palma, exige que seus participantes divulguem a lista de todos os fornecedores sejam de usina ou fazenda, com endereço e localização. Empresas como a PepsiCo e a Unilever já realizam: https://www.pepsico.com/docs/album/a-z-topics-policies/pepsico-2017-palm-oil-mill-list.pdf e https://www.unilever.com/Images/unilever-palm-oil-mill-list_tcm244-515895_en.pdf . A trader Wilmar divulga a lista de seus fornecedores de cana de açúcar https://www.business-humanrights.org/sites/default/files/2017-05Sugarsuppliers%28Wilmar%29.pdf . Além disso, a Nestlé anunciou que vai divulgar os fornecedores de todas as suas cadeias agrícolas prioritárias: https://www.nestle.com/media/pressreleases/allpressreleases/nestle-full-supply-chain-transparency (8) United Nations OHCR (2011) Guiding Principles on Business and Human Rights Implementing the United Nations “Protect, Respect and Remedy” Framework https://www.ohchr.org/documents/publications/GuidingprinciplesBusinesshr_eN.pdf Acessado em 11 de junho de 2019.