Quase todos nós os utilizamos, eles são parte de nossa rotina e, na correria do dia-a-dia, tornam a nossa vida mais fácil. Supermercados, o lugar onde compramos nossa comida.
Eles são muito convenientes, nos trazem bons preços, variedade e facilidade. Porém, por trás dos códigos de barras de seus produtos é comum encontrarmos histórias de produtores sendo pressionados e trabalhadores rurais que não conseguem se alimentar no final do mês. A agricultura no Brasil ainda é mercada por injustiças e sofrimento. Da mesma maneira que os supermercados estão presentes em nossas vidas como consumidores, eles estão presentes na vida de quem trabalha e produz nossa comida, como compradores e distribuidores de alimentos.
A responsabilidade das principais cadeias de supermercados pelas desigualdades existentes na cadeia de alimentos é grande, e maior ainda o papel que devem desempenhar para encontrar as soluções necessárias para acabar com elas. No Brasil hoje, três grandes redes – Walmart, Pão de Açúcar e Carrefour – concentram 46% do setor isso, acabam sendo preponderantes na manutenção de uma estrutura que está reduzindo a renda de trabalhadores e pequenos e médios agricultores, contribuindo para a concentração de terras e precárias condições de trabalho e discriminando mulheres. Enquanto os grandes supermercados ficam com a maior parte da riqueza gerada e lucram bilhões a cada ano, a trabalhadores e produtores restam renda insuficiente para uma vida digna, trabalho análogo a escravidão e perda de suas terras.
“Diante do potencial de influência que os supermercados têm dentro da cadeia, eles têm uma parcela enorme de responsabilidade sobre o que se passa nela”, afirma Marcel Gomes, secretário-executivo da ONG Repórter Brasil e responsável pela área de pesquisa da organização. “Na medida em que eles vão cada vez mais concentrando poder, eles também têm que concentrar responsabilidades, criando políticas corporativas para fazer a gestão da cadeia, para acompanhar e monitorar seus fornecedores, corrigir quando houver problema e ter diálogo aberto com o sindicato de trabalhadores e outras organizações da sociedade civil.”
Para Marcel, os grandes supermercados precisam ter uma visão ampla sobre o que se passa dentro da cadeia de fornecedores de alimentos e desenvolver políticas específicas, conectadas com as tendências mais contemporâneas de responsabilidade social corporativa. O modelo de negócio não pode ter como princípio único a questão do menor preço – a responsabilidade social tem que afetar diretamente o departamento de compras para promover mudança significativa no cenário de desigualdades que temos hoje no Brasil. “O que vemos são os setores de compra dos supermercados muitas vezes ‘blindados’ de possíveis políticas de responsabilidade social que possam gerar custos extras. É um problema que ainda está para ser superado.”
Luís Fernando Guedes Pinto, engenheiro agrônomo e gerente de certificação do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) concorda com Marcel em relação ao papel central que os supermercados têm na superação das desigualdades na cadeia de alimentos no Brasil e acrescenta a solução passa pela interação das políticas das empresas com as políticas públicas, por ser de interesse público, dos consumidores. “Essa questão não será superada só com ações das empresas, nem só com as ações de governo.”
Algumas boas práticas já podem ser observadas no Brasil. Marcel Gomes lembra o Pacto Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, de 2005, que foi uma iniciativa de várias organizações, entre elas a Repórter Brasil, o Instituto Ethos e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Pacto foi construído a partir de pesquisas de cadeias produtivas, entre elas a de alimentos, que tinham casos de trabalho escravo. Os produtos de fazendas flagradas pelo Ministério do Trabalho usando trabalhadores em situação de escravidão estavam chegando nas agroindústrias e também nos supermercados. As três principais redes brasileiras – Walmart, Pão de Açúcar e Carrefour foram convidadas a participar e aceitaram. Elas criaram então políticas internas para ter nos contratos com fornecedores cláusulas que vedavam a negociação de produtos que tinham qualquer relação com o trabalho escravo. “Isso ajudou pelo menos de uma maneira mais ampla a ter um filtro que trouxe dificuldades para fazendeiros que não cumpriam o Pacto. Se algum problema fosse identificado, eles tiravam os fornecedores da cadeia”, lembra Marcel.
A construção de pactos e políticas inclusivas no setor depende, no entanto, da organização de trabalhadores rurais e agricultores, afirma Luís Fernando, do Imaflora. “É impossível tratar individualmente caso a caso. Há um grande número de pequenos negócios, de pequenos produtores pelo país. Esse é um gargalo muito sério no Brasil: a fragilidade do cooperativismo e do associativismo. As políticas públicas que apoiam o cooperativismo são muito frágeis. A transparência e a capacidade de gestão das cooperativas são muito frágeis.”
Aos supermercados, diz Luís Fernando, cabem duas abordagens: aumentar a concentração na cadeia e, consequentemente a desigualdade, ao priorizarem o modelo de negócio baseado no preço apenas, selecionando sempre os maiores e poderosos, capazes de oferecer produtos a ‘preços competitivos’, ou praticarem políticas inclusivas, apoiando os pequenos e médios negócios e produtores, para terem condições de participar de suas cadeias produtivas e de fornecedores. “Aí muda radicalmente a perspectiva, com os supermercados podendo ser agentes de mudança, reconhecendo a desigualdade e, a partir disso, fazer parte da solução, não apenas do problema.”
Esta situação mostra que por trás dos preços que os supermercados nos oferecem, existe uma responsabilidade que precisa avançar.