O território nacional brasileiro é composto por 25% de comunidades tradicionais — aproximadamente 5 milhões de pessoas —, segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) . Essas pessoas têm formas próprias de se organizar socialmente, são culturalmente diferenciadas e se reconhecem desta forma.
As comunidades e povos tradicionais ocupam e usam territórios e recursos naturais para reproduzir sua cultura, ancestralidade e religião, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradas e transmitidas por tradição.
Apesar da abrangência de território e da participação na história de construção do país, esses grupos têm processos históricos de violações, invasões a seus territórios, pobreza e genocídio. Além disso, têm pouco — as vezes nenhum — acesso à políticas públicas.
Ainda hoje, apesar de parcos avanços, sofrem com a falta de titulação de suas terras tradicionalmente ocupadas e vivem com pouca infraestrutura e qualidade de vida. As comunidades e povos tradicionais enfrentam problemas de habitação, falta saneamento, luz elétrica e vias de acesso aos seus locais de moradia.
São ainda uma das populações mais violadas quando se pensa em direitos à saúde, à educação e à assistência social — os equipamentos sociais que deveriam suprir essas demandas são inexistentes ou escassos. Têm dificuldades para manutenção de sua cultura e até mesmo para sua sustentação econômica.
Indígenas vulneráveis diante do coronavírus
Os povos indígenas vivem hoje uma situação ainda mais extrema de vulnerabilidade, devido aos efeitos da pandemia de coronavírus. A Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) apontou que, ainda hoje, as doenças respiratórias são a principal causa de mortalidade entre os indígenas.
Os povos tradicionais são mais vulneráveis a viroses, especialmente a infecções respiratórias como a Covid-19. Segundo relatório divulgado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) já são 757 mortes pela doença, com 156 povos afetados.
O Instituto Socioambiental (ISA), ainda aponta um outro agravante: a portaria que suspende autorizações de entrada em terras indígenas, no entanto, não apresenta nenhum tipo de proteção, já que dezenas de terras indígenas sofrem com invasões de garimpeiros e madeireiros — inclusive durante a pandemia.
Segundo dados do sistema Deter (INPE), as terras indígenas na Amazônia Legal já haviam sofrido 2,7 mil hectares de desmatamento provocados por invasores. Um quarto dessa destruição foi provocada por garimpeiros ilegais atuando nesses territórios.
Quilombolas ameaçados pela pandemia
A falta de medidas emergenciais efetivas para o enfrentamento do novo coronavírus já deixa seus efeitos entre a população quilombola. Até 28 de agosto, o boletim epidemiológico desenvolvido pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), apontou 151 óbitos e mais de 4 mil casos da doença entre quilombolas. Sem acesso a serviços adequados de saúde, eles percorrem longos trajetos até conseguir um local para serem atendidos.
Em 2019, existiam quase 6 mil localidades quilombolas no Brasil, segundo o IBGE. Contudo, longe de seus territórios e invisibilizados pelo sistema, a população quilombola enfrenta a subnotificação dos casos do coronavírus pelas autoridades sanitárias.
Sem água, aparelhos públicos de saúde e infraestrutura para cuidados básicos para evitar a proliferação da doença, a taxa de letalidade entre os remanescentes de quilombo é de 11,09%, mais que o dobro da média nacional, que fica em 4,9%.
Governo federal veta água aos povos tradicionais
Após de quatro meses de omissão, o governo federal sancionou, em julho de 2020, a lei 14.021/20, que estabelece ações para conter o avanço do novo coronavírus entre indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e demais comunidades e povos tradicionais brasileiros.
O texto considera essas populações como de extrema vulnerabilidade e prevê medidas como a visita de equipes multiprofissionais de saúde treinadas para enfrentamento do novo coronavírus. No entanto, foram vetados itens que obrigavam o governo federal a garantir o acesso à água potável a esses povos e a oferecer, em caráter de emergência, leitos hospitalares e de terapia intensiva.
Entre os pontos vetados estão ainda a liberação de verba emergencial para a saúde indígena, a distribuição de cestas básicas, a criação de um programa específico de crédito para o Plano Safra 2020 e a facilitação do acesso ao auxílio emergencial em áreas remotas. Ao todo, 14 itens foram vetados pelo Presidente da República.
Cenário de desigualdades aumenta com a pandemia de covid-19
Com o coronavírus, vivemos um cenário ainda maior de desigualdades no Brasil. Por isso, neste momento, é importante que as grandes empresas e organizações assumam compromissos explícitos com o respeito aos direitos dos povos tradicionais e indígenas.
As comunidades tradicionais são uma das mais impactadas negativamente pelos projetos de indústria extrativa — petróleo gás e mineração — em seus territórios.
Para que esse processo seja mais justo, essas pessoas precisam do CLPI (Consentimento Livre, Prévio e Informado). O consentimento tem como objetivo integrar as comunidades de maneira correta, a fim de deixar um legado positivo tanto para as empresas quanto às comunidades.
Para muitas comunidades alcançadas pelos grandes projetos de infraestrutura, o CLPI representa uma ferramenta fundamental para garantir que tenham voz e sejam respeitados em seus direitos. Em 2015, a Oxfam lançou um relatório sobre o Consentimento Comunitário, cujos resultados sugerem um aumento do compromisso das empresas do setor de mineração com o Consentimento Livre, Prévio e Informado.
Mas o mesmo não acontece nos setores de petróleo e gás. Há também um grande atraso na garantia de participação de mulheres em tomada de decisões em relação a projetos de infraestrutura que tenham impacto sobre comunidades tradicionais e/ou indígenas.
Impacto das multinacionais brasileiras sobre comunidades tradicionais
Em 2018, a Oxfam Brasil lançou o relatório Não é Não, com o resultado de uma análise de 21 grandes empresas brasileiras com atuação internacional e os impactos significativos que causam a povos indígenas e povos e comunidades tradicionais. Buscamos saber, principalmente, se as empresas tinham compromissos e posicionamentos com relação às comunidades que são impactadas por suas operações, diretas ou indiretas. O resultado foi decepcionante.
No segundo semestre de 2019, conferimos se as empresas haviam promovidos mudanças e se avançaram nos pontos analisados. Das 21 empresas pesquisadas, uma não existe mais (foi comprada) e cinco não haviam publicado documento ou novo compromisso algum.
Comunidades tradicionais e povos indígenas são temas de lives da Oxfam Brasil
A Oxfam Brasil promoveu duas lives em seu canal no Youtube para discutir a situação das comunidades tradicionais e os povos originários em meio à pandemia de coronavírus. O primeiro foi “Desigualdades: Comunidades Quilombolas Frente à Pandemia”, com a quilombola Selma Dealdina (CONAQ) e a ex-vice Procuradora-Geral da República, Deborah Duprat.
O segundo, “Desigualdades: Povos Indígenas frente à Pandemia”, reuniu Sonia Guajajara, coordenadora da Aliança dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), e o fotógrafo Sebastião Salgado. Ambos foram mediados pela diretora executiva da Oxfam Brasil, Katia Maia, e podem ser vistos em nosso canal no Youtube. Confira e complemente seu conhecimento sobre o assunto!